quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O mundo me dá alergia

Pedra no sapato contamina o pé, fica tudo vermelhado; vai subindo pelos ossos até explodir em poros cor de rosa, congestionados. Mais congestionado ainda fica o nariz, escorrendo todo, é só puxar o ar do verão molhado. Água de chuva, então, tiro-e-queda, incha os olhos, treme as pernas; se tiver algo que fazer, é preciso secar logo, senão os pés, tremendo, vão correndo sambar lá-longe.

Mas o que me dá alergia mesmo, urticária, descamação – de nem me reconhecer mais – é criança vestida de adulto na rua, trabalhando pra pôr comida a brincar na barriga. E lábios cínicos que despejam eufemismos no mundo, omitindo a conta da lavanderia de dinheiro e de caráter, mau caráter. Apontam-me pintas de catapora na testa, bem no meio, bem visíveis, quase que nem pisca-pisca.

Todos vêem, não consigo disfarçar. Certamente, dizem: “que garota fresca, tudo a incomoda!”. E lhes dou microfones, para que os ouçam mais alto, assim como busco um autofalante pra mim. Que os gritos preencham o céu, cortem os ouvidos certos ou errados. Que se faça barulho. E, de repente, pode ser que a alergia se espalhe, que passe de olho-em-olho, mão-em-mão. Que surja uma bolha na pele pra cada tensão social, que o descaso corrosivo provoque febre crônica.

Não é caso só de reclamação, alegria também causa tosse, felicidade lacrimeja os olhos, conquista explode os ânimos, contato desnorteia a vista. É por isso que saio do samba estampada de cores e de boas reuniões, coçando a cabeça.

Também não é caso de não-me-toques, é sinal de aprofundamento. Alergia não entra em bolha de cristal, só se pega ao pisar descalço na terra. É marca de vida, que reage aos estímulos, que age. Critica, elogia e luta. É a negação da desimportância, é boca no trombone.

Não tomo remédio pra esses sintomas estranhos, deixo que se desenrolem, que se mostrem. O dia em que passar imune por cenas, palavras e cantos, sem irritação de pele sequer, é porque me isolei de tudo, fechei-me num casulo escuro e sem vida. Minha alergia vem da força nas veias que passa das pessoas. É minha sinceridade.

3 comentários:

Gustavo Braga disse...

...fazer o mundo ouvir é fácil, difícil é fazê-lo enxergar, compreender e sorrir de volta. Básica é a coronhada da repreensão direto na nossa cabeça, esmagando a face dos nossos sonhos. Opinar, reclamar, atiçar, gritar, indignar, falar, replicar, discutir, desacreditar, rodopiar, indagar, duvidar, opinar.
Difícil mesmo é resistir, se guardar com a dura e fria realidade do mundo, que me mata de alergia.

Fêê! disse...

Bru, adoro seu blog. Sempre to por aki lendo! Nunca deixei um comentário neh. Esse serah o primeiro. Beeeeijos da Fê Gomes

Alice Agnelli disse...

Cara..

Alergia definitivamente não é alegria.

E nessas o mundo me não me dá alegria.