segunda-feira, 30 de junho de 2008

Rosas-Vermelhas ou Desabafo

Chegou, foi direto pra dispensa sem olhar em volta; tirou os sapatos, voltou à cozinha, abriu a geladeira, escolheu o leite desnatado dos adultos e o chocolate em pó das crianças. Lembrou-se do copo e da colher, sentou-se, ligou a TV na tentativa de dispersar o silêncio da casa vazia em hora de estar cheia.

O chocolate demorava a dissolver-se no leite, ao contrário de sua atenção, que a televisão não apreendia. Não conseguia se ater nem aos próprios pensamentos. Nada demais; o frio não passara, o trabalho não acabara, o telefone não tocara, ela o vira de longe, ele não se manifestara.

A cabeça zonza melhoraria com a comida. O ventilador ligado por engano quase parava, quase. A louça lavada no escorredor esperava, quase seca. Seria preciso trocar a água das flores? Vermelhas, estavam tão vermelhas, até demais, e ainda eram rosas. Aquelas flores destoavam do resto da cozinha e pinicavam seu ego mal-dormido.

Haviam sido entregues no shopping, estratégia de marketing pro Dia das Mães que derreteria os corações femininos, todos eles. Nenhum motivo especial para sua presença ali, não eram presente de nenhum remetente de fato. Nada, e tão belas! Chegavam a provocar um mal estar.

O chocolate não se dissolvia, a TV não conversava, o frio não cessava, e aquelas rosas enfeitavam, deveriam alegrar o ambiente. Mas elas evocavam lembranças nunca concretizadas, promessas abortadas. Transtornavam-na. Começou a sentir raiva daquelas rosas – canalizando seu descontentamento em algo específico e material. Maldisse a beleza do contorno das pétalas, que não adornavam os dias medíocres.

Desistiu do leite que não dissolvia, bateu a colher com força na mesa, mas o barulho foi abafado pela toalha. Levantou, caminhou, pé-antepé, até as flores no copo, vaso improvisado sobre a pia. Respirou.

Os músculos da mão direita endureceram; agarrou as três rosas e tacou-as pela janela, com tanta força que todas as pétalas se desprenderam no ar. Gritou. Não ligou pra gota de sangue provocada por um espinho; observou a chuva de pétalas planando até o chão, lá embaixo, fazendo um lindo balé no ar. Riu, de gargalhar.

sábado, 21 de junho de 2008

Goteira

Tem um furo no teto do meu quarto que não pára de gotejar tempo. Um tempo todo entrecortado e irregular, que cai antes que eu consiga alcançá-lo e molha tudo à volta, nem adianta colocar balde embaixo. Quando passo por ali, às vezes sempre saio encharcada de tempo, escorrendo até os pés, escorregando.
São gotas de anseios, de dúvidas, idéias, fomes e calmarias inquietas. Elas secam rápido, e logo voltam a molhar. É um tempo estranho, louco e meu, do mundo, talvez.
Não sei onde se acha tempo em conta-gotas, iguaizinhas, cada uma com 5 ml. Tão padronizadas; totalmente fora do padrão da vida. Tempismos certeiros para serem engolidos de uma vez, sem desperdiço, supondo-se muito eficientes. Do tipo que teria a consideração de não morrer atropelado no meio da rua para não atrapalhar o trânsito.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Ri

o melhor sorriso de todos
é aquele que a-con-te-ce
de cantinho
vai surgindo devagar

é um estalo
de um borbulho interno
que roça a superfície
de leve

é aquele que se percebe só depois de um tempo
porque não interrompe o êxtase da alma

se felicidade pudesse ser definida,
seria descrita assim