quinta-feira, 29 de julho de 2010

piso.te.ando

É preciso pisar pedra pra ver quanta pedra ainda há por correr
___Porque de andar só o pé entende
_E pé prefere pisar espinho do que pisar em falso
Por isso quer mais é andar descalço
______E quer mesmo é andar bastante
- ainda que tropece a cada instante

__________Quem sabe mais de andar e de correr é só a rua
Que corre muitos pés, que correram muitas ruas e trilhas
_E anda vários pés de cada dia todo dia
__- porque cada pé muda a toda hora

E pisando nas ruas
__nada demora
__________pra andar todo este mundo afora

terça-feira, 13 de julho de 2010

O fabuloso dia do lançamento

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I.

Não vejo a hora de lançar meu livro de poemas. Ah! A satisfação de ver um trabalho concluído, materializado na textura do papel minuciosamente escolhido. Ver meu nome, pequenininho, bem no final da coluna cultural da semana, espremido entre a mais nova exposição das bonecas Barbie e um Flash Mob em prol do aumento da crocância dos chocolates Bis – um dos mais importantes assuntos no momento, do Twitter para o Jornal Nacional. Quanto burburinho! Falem mal, mas falem de mim, EU, a mais nova AUTORA, já nas bancas, por apenas 9,99, em duas cores de capa! Ah! A estréia nos mais reduzidos salões da maior cidade da América do Sul, verdadeiro formigueiro de meio-intelectuais, meio-de-esquerda, acotovelando-se para me dar os parabéns em suas roupas especialmente rasgadas por grifes de brechós. Ah! A inveja daquele meu colega pedante que conseguiu a melhor bolsa de doutorado no exterior depois de algumas horinhas trancado na sala daquele professor decrépito. Os autógrafos! A glória! Os discursos do meu tio verborrágico na festa de final de ano deste ano, a foto três-por-quatro no mural da empresa, como funcionária do mês. A fama! Com a quina pontiaguda do meu livro, finalmente furarei uma brecha no impenetrável círculo de intelectuais que se reúnem na mais escondida sala dos porões da Universidade de São Paulo - a melhor da América Latina – todas as primeiras terças e segundas quintas-feiras de cada mês, às 14 horas e 37 minutos – exceto quando há lua nova –, para discutir os mais pertinentes impasses da neo-poesia macedônico-venusiana produzida pelos surdos da aldeia Waka-Waka. O status! O espetáculo! Os prêmios nos mais altos palanques internacionais! O dinheiro! As Ilhas Caimã! Os holofotes! O mundo!

E a morte da poesia.



II.


Veja bem, não é que o lançamento de uma compilação de poemas, em si, faça sublimar toda poesia despejada em seus versos. Afinal, sem a confecção e disseminação de livros, dificilmente, teríamos acesso à riquíssima variedade de olhares para o mundo das mais diferentes épocas e culturas.

A questão é que, frequentemente, a poesia se deforma para conseguir passar pelas grades da indústria cultural, pelas mãos do poeta ou pelas mãos invisíveis do chamado senso comum. O poeta se perde, torna-se uma marca, um ator no papel de autor. É claro que há exceções, mas está cada vez mais difícil passar ileso pelo filtro que transforma arte em mercadoria.

Será que ninguém mais para e se pergunta qual o objetivo da poesia? Na minha mera percepção, que não se baseia em estudos, teses ou críticas, o objetivo poético é qualquer coisa menos o material, menos o dinheiro, o status, porque é um desobjetivo.

Por mais idealista que isto seja, a essência da poesia não é algo capturável. É qualquer coisa, menos letras e sintaxe, apesar também ser isso tudo. Poesia é algo que simplesmente existe ou se forma, momentaneamente, dentro ou fora do alcance daquele que a traduz, ou a provoca, em palavras, traços, gestos e fica sendo chamado de poeta.

Um poema é a materialização de uma sensação, cena, circunstância, idéia, sentimento, contradição em uma substância não muito mais objetiva do que aquela que a provocou. É como um pó muito fino ou gás muito volátil embalado em um recipiente de vidro que, ao menor contato com o leitor, ouvinte, observador ou spect-ator (como diria o mestre Boal), se quebra e propaga seu conteúdo ao redor dele. E como cada leitor respira, observa e pensa de um jeito, cada um forma uma idéia ou sentimento a partir daquela substância. Um poema, afinal, nada mais é do que um propulsor, a ponta de uma pena que faz cócegas no canto da orelha, ao que cada um reage de uma maneira.

Concordem comigo ou não, é por isso que acredito que poetas só lançam livros porque, nesta sociedade, precisamos daquelas fichinhas chamadas dinheiro para sobreviver. Num mundo ideal, poesia seria lida no boca-a-boca, presenteada com laços de fita ou, simplesmente, lançada ao vento.
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