quinta-feira, 19 de março de 2009

Lara Livre

Por onde passava, chamava atenção. Era aquele andar peculiar. De tão leves, seus passos desexistiam, segundos após se formarem no ar eminente ao chão. Faziam a terra desistir de ser dura e estremecer, desorganizando tudo à volta.
Ninguém conseguia prender Lara ao solo nem determinar seu caminho. Sempre à deriva. Seu único senhor e guia era o vento. Bem tentarem driblá-lo e conduzi-la a qualquer canto – em vão.
Até que um dia passou tal ventania que levou Lara da vista de toda gente que, de tanto descrente, foi procurá-la. Acharam-na à beira d’um penhasco, prestes a cair, e estaticamente segura por um fio de corrente de ar contra o desfiladeiro abaixo.
“Vem Lara, vem, por que não se salva?”, clamavam as gentes. Sua fala tão livre quase não podia se materializar. Até que se esboçou assim: “meu pé de vento”. Então todo mundo entendeu: Lara Livre era presa à sua própria leveza e nunca a desobedeceria.
A gente voltou a suas liberdades e prisões pensando no descabimento de ser livre por obrigação.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Close

reflexo de nariz. textura de bochechas. fios de luz, de cabelos. ímã entre dois corpos. ar quente. uma corrente fria de repente, cheiro de rua, de mundo. mundo? onde? distante, abstrato, inexistente. mundoaqui, mundonosso. nós, isto, isso. sempre. não, tempo só há fora. mundo é só o que se olha distanciado, fora do close. aqui é aqui. agora é sempre e é nunca, é sonho, é nada, a única realidade possível em meio a sonhos impossivelmente reais. esse excesso de realidade é o que cega as pessoas. aqui é diferente. você é só você e eu, simplesmente eu – sem precisar chamar nem Você nem Eu. posse é de fora, aqui há conexão, é conexão. eterna, num instante de leveza intensa. bem de perto, mais que dentro, quase fora.

tranS-

BORDA

Às vezes me bate um desespero louco – ou uma loucura de entrar em desespero. Sinto-me isolada num nada e quero abraçar a tudo e a todos. Logo me vejo cheia de tudo – não sei se minha vida fica muito cheia de coisas ou se todas as coisas me são muito cheias de vida. Só sei que transborda. O mundo me enche de vontades que transporto pra mil coisas que me enchem mais ainda e aí eu encho tudo até me encher de mim. Então, tento me anular enchendo os olhos de estrelas. Mas isso só me enche de calma e agitação e tenho que encher umas folhas de papel. Os pensamentos transbordam pra frente dos olhos que enchem de letras o lápis, que transborda mais que os pensamentos.

sexta-feira, 6 de março de 2009

de assalto!

se me puxassem o tapete
seria menos inesperado
porém, mais brusco
não foi (nem brusco nem com tapete)

foi como perder os freios
(que ainda andam perdidos)
e achar-se quilômetros depois
à deriva (tontos de céu e de chão)

e agora, o que fazer?
se passa vento, tempestade?
e se dá medo? (de nada e de tudo)

e se fugir é pior que o medo?
e se os freios não funcionam?
e se as respostas são movimento?

- eis, aí, um porto escondido,
que nos salva do maior receio:
a calmaria (num tudounada)