domingo, 23 de dezembro de 2007

Então, é Natal

Feliz Natal e Ano-Novo! Boas Festas! É tão fácil encher um desejo de toda a alegria do mundo com apenas estas palavras! Mas e fazê-lo parecer sincero? Desejos de final de ano são os mais difíceis de se fazer, na minha opinião. É quase impossível não cair em clichês e não importa o que escreva ou diga, nunca me parece bom o bastante quando quero desejar algo sinceramente bom pra alguém.
O problema destas festas é que se espera uma quantidade de felicidade e compaixão escondidas ao longo do ano, que devem brotar misteriosamente no dia 24 de dezembro, sem questionamentos. Dezembro traz a licença pra declarar amor a tudo e a todos, sem medo de cair no brega e no meloso. Mas também impõe uma certa obrigação, dizendo “como assim você não está feliz? É natal!”. É por isso que Natal sempre tem uma parte melancólica, todos se obrigam a ficarem felizes – e todo mundo sabe que aquilo feito por obrigação nem sempre é sincero.
Mas o mais intrigante disto tudo é que, ainda assim, gosto do Natal e ainda mais do Ano-Novo. Talvez porque estas datas materializem o andamento do ciclo anual, que faz parte do ciclo de nossas vidas humanas e sociais. Socializar é algo que parece ficar mais fácil na época natalina, por isso, os interesses econômicos da data ainda resultam em algo de bom.
Oras, já que não dá pra parar o ‘espírito’ natalino mesmo, juntemo-nos a sua parte boa, querendo dizer algumas poucas palavras sinceras:
Felicidade pra todos vocês, amigos, parentes e desconhecidos!
Que nós sintamos vontade de desejar isto algumas vezes durante o ano, sinceramente – por sentir felicidade e querer transbordá-la em palavras ou gestos.

Lusco-fusco

Chamei e você veio – veio, foi, voltou e ficou. A luz estava acesa, quis apagar, mas você não queria. Ficou acesa então, talvez tenha sido esse o nosso erro. Foi tudo real demais. Estivéssemos no escuro, facilitaria o esquecimento, as memórias se embaçam quando fogem as cores. Os olhos se acostumam à meia-luz e dá pra ver tudo, só que sem cores. Os contornos são o que importa para se orientar no espaço e no tempo, mas são as cores o preenchimento, aquilo que provoca a pausa, a momentânea sensação de completude. E as cores estavam conosco, todas elas. Só foram embora quando você também foi. Da próxima vez que vier de saída prevista e breve, apague a luz.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Figura de duração para o silêncio

Pausa. A estupefação chegou à língua e à ponta da caneta, pararam as palavras e as entonações. Estou sempre em um desses dois estados: declarando ou ouvindo declarações, sempre interessada nelas, ouvidos e olhos abertos, atenção escolhendo o que focar; cordas vocais ou dedos sempre trabalhando em cada reflexão. Mas agora acabam de me voltar as palavras que haviam fugido, e só pra falar sobre elas mesmas. O estado declarante/ ouvinte parece ter sido interrompido, momentaneamente, por uma reflexão mais densa que o habitual. Aquela sensação de eminência discursiva, quando os fonemas ficam a postos na língua, prolongou-se, as ordens para a ejeção deles não chegavam do cérebro.
Eventualmente, algumas sinapses conseguiram achar o caminho e vieram pra estas letras saírem – mas ainda são letras egocêntricas, falando sobre elas mesmas. Falar sobre o acontecimento/ momento vivido há pouco/ ainda agora seria de tanta pequenez que correria muito risco de aborto, assim como ler ou ouvir declarações alheias seria inócuo e parecia desinteressante, de inédito.

Labirinto (ou Caroço II)

Aquilo não se chama mais caroço. A casca quebrou porque cresceram coisas dele, espécie de raízes. A orelha esquerda está feliz, pois agora não é mais incompreendida pelo resto do corpo, as outras partes entendem-na, porque as raízes estão por todas elas.
Uma vez plantei um grão de feijão no algodão e as raízesinhas formaram um pequeno labirinto. Só que naquela época, tudo era uma grande experiência, eu era a cientista impressionada com os resultados – todos eles cabiam na palma da minha mão.
Agora, não cabem mais e acho até que deixei de ser cientista, sou experimento. A única semelhança com o pé de feijão é o labirinto que as raízes do caroço fazem. Elas se misturam com o labirinto da minha mente, que se confunde com o do meu espírito e do perispírito e da alma e do coração e até das fibras musculares. Enfim, agora o caroço – que não é mais caroço – faz parte de mim, como labirinto.
Outro dia li em alguma revista de curiosidades banais, que o que você desenha sem pensar muito enquanto faz outras coisas, pode revelar algo sobre seu estado de espírito. Como sempre tive mania de rabiscar em tudo quanto é lugar e à qualquer hora, resolvi reparar nos tais rabiscos: um monte de labirintos! Para todos os gostos: retilíneos, arredondados, abertos, fechados, independentes e sobrepostos. Segundo a tal revista, labirinto revela dúvida, confusão. Oras, melhor definição não pode haver.
Pois então, se eu sou um labirinto, sou uma confusão, sou uma dúvida. Ainda bem que tenho Clarice Lispector para me consolar: "Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento. Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Eu sou uma pergunta."
Nada de angústia, nem de medo ou de insegurança, tampouco, nada de certeza, nada de paralisia. Sou uma pergunta e me pergunto que é que a vida vem me perguntar. Quando todas as respostas forem dadas, o jogo acaba. Mas isto não acontece, pois cada resposta brota com uma pergunta acoplada.
Então a angústia não está mais presa num caroço incomodo. É certo que lascas dela se espalharam, mas se espalham como os pedaços dos outros sentimentos e se misturam, se separam e se unem em brotos. Cada broto, uma dúvida, uma resposta, uma mudança, uma pergunta. Labirinto.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Caroço

Tem uma angústia enorme atrás da minha orelha esquerda
Nunca tinha percebido que ela era tão grande
Porque só chiava
(baixinho)

O problema dela é que não é muda
É rouca

Antes fosse muda ou gritalhona
Se fosse muda, eu só arrancaria ela dali
Mas não dá, porque seus gemidos voltam com o vento
Se fosse espalhafatosa, abstrairia sua presença, focaria em outras coisas
Mas não, porque o chiado entra de mansinho sem pedir licença
E por ser pequeno, arruma lugar pra ficar

Uma coisa tão grande que se manifesta tão pequeno

Meu coração parece pequeno quando ela está ali
do lado esquerdo

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

De política, pra variar

(o que, nos últimos tempos neste blog, é uma variação mesmo)

Os dês-declarados

declaro a dês-declaração de tudo
porque não estão nada claros
os objetivos dos declarantes
quase todos eles

para maiores dúvidas,
declaram ponto final.

para burocracias,
declaram interrogação?

para exclamações!
declaram reticências...

"para aspas"
(declaram parêntesis)

para ruído,
declaram barulho

para voz
declaram tampões de ouvido

para grito
declaram tiro

onde a resposta de uma pergunta é outra
e os entrevistados jogam passa-e-repassa
até que a hostilidade da burocracia cansa,
e as reivindicações são podadas,
mas estas não sabem declarar soluções

então, os ex-reivindicantes declaram sua a-declaração
declaram seu mundo in-declarado
e seguem declarando nada.


>Passes e posses

A burocracia excessiva do Brasil não é segredo. Ela poderia, pelo menos, servir para dificultar a corrupção, talvez até o faça. Há tanta burocracia para corromper quanto para dês-corromper. O problema é que os corruptores têm mais poder – essa força ‘misteriosa’ que afrouxa barreiras, inclusive as burocráticas.


Questiona-se o fato dos anti-corrupção possuírem tanto poder quanto os corruptos, afinal, aqueles podem obter ajuda da opinião pública e do poder de denúncia da imprensa. Mas estes últimos poderes não são da mesma natureza do poder da corrupção, pois são voláteis, imateriais, enquanto este é tratado como uma posse.

Numa sociedade capitalista, possuir é o objetivo, portanto, o poder desta natureza pode ser do mesmo tamanho ou até menor que o de natureza ética, no entanto, encaixa-se melhor ao sistema, funciona com ele e não apenas dentro dele.

Que fique Renan com o cargo que lhe resta, já que se desfez de uma de suas propriedades, e que ajude no leilão. Que leiloem a decisão sobre a CPMF, entre defensores deste bem ao qual o poder lhes dá acesso e defensores da propriedade de seus cargos, através da decisão eticamente aceita de acabar com o imposto.

Vejam só, um julgamento com duas comissões de defesa! Time recuado - talvez seja essa uma das características da política que mais difere do futebol brasileiro.

Só espero que a torcida não entre na mesma onda e não aplauda de pé. Que descubra a força de seu poder, não de posse, mas de passe. Posse de bola, sem passe, não leva ao gol. O treino em meio a barreiras cansa, mas ainda acredito que cansa menos do que reclamar, em vão, continuadamente. Que apite o árbitro!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Fale pra ele!

ele disse que vem
já deve estar a caminho
à cada letra que teclo ele chega mais perto deste lugar;
chegar a algum lugar não quer dizer chegar a alguém

meu espaço posso proteger,
nem que precise sair do espaço para tanto
acontece que fora do espaço, meu espaço já não faz sentido*

é como uma poesia que acaba porque se escrever mais estraga
porque não dá pra exprimir mais nada
sem que isto mude o que se sente

talvez seja medo de esgotar o sentimento em significados até acabar com ele
mesmo que o sentimento seja ruim
é aquele receio de mudar e de cair no incerto
tão incerto quanto somos
até na maior certeza do mundo.


*então tenho que dizer
tenho que compartilhar
o que me incomoda é ter que mostrar
falar só pra provar,
pra cumprir um padrão
não, não pode ser assim,
é tão bom o espontâneo!