terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Hoje, um milênio

Olá, meu bem,
Que bom te encontrar!
Eu vim de trem,
Não sabia em qual estação parar
Desci aqui por acaso,
Porque sabia que te encontraria
- pelo menos, era o que eu queria
Não ria, o que vim falar é sério:
É que nesta semana, passou-se um milênio
E nem tive tempo de te avisar!
Se me achar diferente, pode estranhar
Teremos tempo pra nos adaptar
Dois dias, três séculos
A gente descobre...
E se não nos descobrirmos juntos,
Há várias linhas de trem
Cada um escolhe um vagão e vão
As lembranças juntas no bagageiro
Que resiste até às curvas de não
Porque no destino é certeiro
Então, pode ser que se passem séculos
Pelos primeiros ou por longínquos trilhos
Da minha ou da sua estrada
Pode ser até que descarrilemos mundo afora
Mas aquelas lembranças continuarão ali
Mais ou menos visíveis, camufladas ou iluminadas
É que o destino, vendo meu desatino,
Propôs-se a levar nossas lembranças, mesmo clandestino
Foi este o acordo que você assinou semana passada
Só passei pra te avisar
Porque nesta semana, passou-se um milênio
E eu não passei por aqui
Agora, tenho que ir
Minha estação fica no sentido contrário
Lá tem gente a me esperar
Quem sabe, vou até me encontrar, por acaso
Junto ao abraço, deixo-lhe um pedido:
Lembre-se do nosso bem
Não somos de ninguém,
Mas quem boas lembranças tem,
Quer sempre bem ao bem.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Go fast que o resto é trash!

A lei é fast-food, Internet rápida, carros de corrida em ruas de cotidiano, louça de plástico, toalhas de papel, segundos em relógio de ponteiro, centésimos nos digitais. Os outdoors, os comerciais de TV, os pop-ups dos sites, os drive-thrus, as agências de notícias repetem o mantra: consuma, consuma, mas consuma rápido, descarte, deixe pra trás, esqueça os dejetos, siga em frente.

A história mostra que a sociedade é movida à base do consumo há séculos, o que diferencia o atual consumismo é a matéria dos objetos de consumo, eles não precisam mais ser materiais. Consome-se diversão, entretenimento e informação a velocidade desenfreada.

Aí, formam-se pilhas de papel bloqueando a luz da janela ou gigabytes de arquivos ocupando a memória do computador. Mania de guardar? Antigamente, era útil manter velhos trabalhos, estudos e textos interessantes em casa para usar numa próxima pesquisa, pois era mais prático do que procurar tudo de novo.

E hoje? Oras, na maioria dos casos, dá mais trabalho manter esses gigantescos arquivos pessoais longe das traças do que pesquisar seu conteúdo novamente. Além do mais, a validade das informações arquivadas é extremamente curta, o que o obriga a pesquisar as atualizações sobre o tema antes de usar as informações guardadas.

Agora, alguém me explica por que, mesmo assim, tenho tanta dificuldade em me desfazer daquela enxurrada de revistas, jornais, folhetos, fragmentos de livros xerocados, anotações e até gravações de voz, que inundam o chão do meu quarto?

Acho que sou nostálgica demais pra desprezar o passado sem dó. Também nunca fui de confiar piamente em santos, São Google que me desculpe. Ah, alguém me arruma um espanador? (Ou eles já saíram de circulação?)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Farelos

Ao lado do ponto de ônibus, uma mulher discutia com um guarda. Quase me revoltei, quando percebi que se tratavam de dois amantes, ou ex-amantes. O homem indignou-se:
- Mas a gente tentou. Então não valeu a pena?
- Valeu. Mas foi como comer bolacha água e sal sem água depois. – Cuspiu a mulher.
Os olhos dele vidraram nela, um como interrogação e o outro como um ponto de exclamação berrante, que fazia até as sobrancelhas enrugarem.
- Isso mesmo! – Ela continuou – Falei, falei, sem parar. Você deixou eu te mastigar todo, frase por frase. Mas não me deu nenhum refresco, nenhuma gota, nem em forma de resposta, nem de olhar, nem de qualquer coisa! Só me deixou uns farelos de você, que se esconderam nos meus cantos durante esse tempo. Minha garganta está seca e eu tusso esses farelos!
Empurrou o ombro dela, de leve, em direção à porta do ônibus que havia parado e disse, mexendo os lábios sem mexer os olhos:
- Vai, este é o seu. Fiquemos em paz.
E saiu, os olhos vidrados no céu - era todo farelos. A moça depositou-lhe uma última olhada de cima a baixo, passando pelos olhos estagnados e as mãos trêmulas e subiu na “viação Parque Dom Pedro II”.
Subi no ônibus seguinte. Chegando em casa, fui tomar um chá. Imaginei que aquela mulher deve ter chegado na casa dela e tomado um chá também, quente, pra dissolver as migalhas e, depois, escovado os dentes. E eu recolhendo farelos de vidas por aí, pra jogá-los num caderno e jogá-lo no vento, que corre de vidas em vidas.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Quem, eu?

Eu sou uma errada acertante
Sou constantemente inconstante
Gosto de pensar que sou viajante
E de viajar em sonhos distantes

Ando em idiomas, bocas e retinas
Às vezes me acho em algumas esquinas
Outras me perco em qualquer besteirinha

Gosto de amores, vida, versos e cores
Tento versificar diversidade
Não abro mãe de amizade

Sou rica, sou pobre, sou grande, pequena
Espelho, sou menina e morena
Minhas pupilas enxergam dilemas
Meu coração bate palpites

Gosto de achar que sou esquisita
E de perder a versão já dita
Sou muito do que gosto
Gosto tanto de escrever!

Não sou letras nem papel
Talvez, reunião de luzes ao léu
Sou nada que me defina
Sou tudo fugindo da rima.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Esmalte marrom

Acordei e fui direto pro salão pra fazer as unhas. Enquanto fazia malabarismo com os dedos pra virar as páginas do livro sem borrá-las, era interrompida por uns sobressaltos de susto provocados por uma mulher atrás de mim – é que ela não veio com botão de ajuste de volume na garganta.
Tudo bem, pensei comigo, isso dá assunto pra uma crônica sobre o comportamento humano. Até chegar a próxima cliente. A loira-descolorida de uns 40 anos sentou sua silhueta quase esbelta, mas sacana, num banquinho ao lado da mulher do volume estourado e começou a maldizer os homens – ou melhor, a falta deles em sua vida ultimamente.
Aquele alto-astral que certas mulheres não mais jovens, mas “modernas”, parecem esbanjar quando tiram os pudores de falar sobre a atração física entre os sexos sumiu quando ela deixou passar aqueles desejos nascidos de um rancor barato por entre os dentes – o que ficou ainda mais sujo pela fumaça do cigarro.
Reclamava de uma antiga ocupação de pernoite, à qual chamava apenas de “ex-caso” ou “gostosão-canalha”. Forçava repúdio ao falar dele, mas sua vontade de contar o caso quase recém-requentado denunciava que seu entusiasmo não poderia inflar mais senão por aquele exato tipo de “canastrão”. Aliás, canastrão não, mulherengo barato, simples.
Segundo ela, pra ele tudo parecia muito simples. E, nesse ponto, tive que lhe dar razão – silenciosamente enquanto olhava meu livro. Pros homens, tudo sempre é mais simples do que pras mulheres. Até a ciência explica sua facilidade com as exatas.
Veja só: o dito-cujo havia brigado com a namorada e ligou pra ex do cabelo descolorido em seguida. Esta fez um esforço descomunal pra dispensá-lo afirmando sua “dificuldade” apesar de estar “à caça” há semanas. Ele fez mais um pouco de graça e desligou. Foi ligar no dia seguinte justo na hora da manicure – aposto que não imaginava que sua “gracinha” alcançaria não só a loira, mas toda platéia feminina presente no cabeleireiro. Ela aproveitou ainda mais a audiência colocando no viva-voz. A cabeleireira ao lado desligou o secador pra não atrapalhar o espetáculo.
Mulher tem dessas manias, sabemos exatamente o que está por vir, mas mesmo assim não conseguimos controlar a ansiedade ou o entusiasmo. A voz de galanteador disse que já tinha se resolvido com a namorada. A personagem no papel da ex aproveitou para chamá-lo de nomes feios (mas não tão feios que não passassem pela censura do respeitável público) e afirmar que ele procurasse outra, que ela não era uma “qualquer” pra consolo de uma noite.
- Muito bem feito! – Gritaram os egos de todas as presentes, através do brilho de vingança indireta nos olhos.
Nada mais normal do que sentir algo parecido, nem que lá no fundo das emoções. Mas a cena me fez sentir mais aversão por aquela mulher do que pelo canalha do telefone. Não sei a exata razão. Talvez tenha sido o tom da voz dela, fatalmente sedutora, ao dizer “Adeus, meu querido”, como quem despeja uma óbvia lição de moral e depois dá um tapinha nas costas do infrator, como que demonstrando cumplicidade no “crime”. Se ela tivesse dito um “tchau” seco ou até um “adeus, querido” irônico, seria diferente, demonstraria, ao menos, um êxito em se valorizar e mostrar veemência nas falas anteriores.
Mas, na verdade, o que me causou tamanha aversão foi a decepção por ver a maneira amarga como muitos acabam por encarar a vida, sobretudo, os relacionamentos amorosos. Percebia-se no ar que aquela mulher não se sentia feliz pela atuação que acabara de fazer, claro que sorria pelas carícias no orgulho que a audiência da platéia lhe proporcionou, mas não estava realmente satisfeita. E talvez seja impossível que se satisfaça enquanto encare a vida dessa forma.
Ela é uma mulher mascarada em frente ao espelho. É como se tivesse vestido a pele da própria amargura que vê na vida. A dificuldade em encontrar um relacionamento que traga felicidade cotidiana é um dos aspectos amargos deste mundo, mas é possível aceitar isso sem tornar-se amargo também. Ela não havia conseguido, até aquele dia, entrou na amargura da solidão e ficou presa lá, olhando o mundo através de uma rede suja e mofada.
O final de fôlego que ela soltou ao suspirar depois de toda a cena mostrou que está enclausurada na amargura. Foi uma ponta de alívio. Se ela está dentro da amargura, quer dizer que sua essência não é amarga, está apenas coberta por essa capa suja. E, pelo menos, ali ela parece ter encontrado uma amiga, pela familiaridade e confidência com as quais falava com a manicure. Espero que ela consiga tirar as manchas marrom-amargas das unhas dela e sugira um vermelho vivo.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Transcendendo

De repente, era fevereiro
O tempo passou
A água evaporou
Choveu
Nasceram algumas mudinhas
Disseram as primeiras palavras
Em outros idiomas
O céu mudou
E ainda não decidiu de que cor fica
Fica transcendendo por aí
E eu nem tinha percebido
Como a vida desanda rápido
Gosta de correr!