domingo, 7 de junho de 2009

Discurso para esvaziar a discussão

O editorial da Folha de São Paulo de 6/6/09 (“Moinhos de vento na USP”) evidencia a inversão de foco utilizada pela imprensa grande para desviar a atenção do que realmente deve ser discutido. A greve, a “bagunça” causada pelos manifestantes, o trânsito que o protesto gera na avenida são colocados como problema central. Não há disposição para discutir as motivações do movimento. É como tentar curar sarampo cobrindo as manchas na pele com maquiagem.

Concorde-se ou não com os métodos escolhidos para mobilização - greve, carro de som ou escudos de papelão -, seu objetivo é trazer a discussão à tona. A reação da imprensa deveria ser problematizar as questões que envolvem as reivindicações dos “grevistas”, e não noticiar apenas há quantos dias estão paralisados ou o quanto intensificaram o trânsito. O que se vê, ao contrário, é a tentativa de apagar explosões que são sintomas imediatos da indignação com a precarização do ensino – até quando conseguiremos caminhar sobre esse campo minado? Não adianta tentar calar a insatisfação com uma mordaça, a solução só virá a partir de um grande debate que envolva toda a sociedade.

Da mesma maneira, colocar a polícia militar dentro do campus da universidade para amedrontar estudantes, funcionários e professores não ameniza, senão, impulsiona os protestos. É mais uma expressão da indisposição ao diálogo. Alguém se sente à vontade para negociar frente a cassetetes e fuzis?

Enquanto isso, dentro de sua fortaleza, a reitora parece sentir saudades da agitação em torno da ocupação da reitoria de 2007. Na época, o arrombamento das portas do prédio foi deflagrado pelo não comparecimento de Suely Vilella a uma das inúmeras reuniões solicitadas pelos estudantes, para debater os decretos impostos pelo governo estadual. Hoje, as reivindicações são outras, mas a postura da reitoria permanece a mesma: em todas as reuniões de negociação com os manifestantes, negou-se a debater as principais reivindicações – a criação da Univesp*, o financiamento da educação pública e a criminalização dos movimentos sociais.

Contudo a reitoria e a imprensa não são os únicos culpados pela falta de debate. Boa parte da sociedade também não se importa com as questões. Vivemos um tempo de desencanto e desinteresse pela política que é a verdadeira crise do mundo contemporâneo, muito mais devastadora que a econômica. Sufocadas pela rapidez do cotidiano pós-moderno, em que qualquer pedrinha pode atrasar o caminho e causar um prejuízo enorme, poucos têm paciência de parar para refletir. Assim, vai-se dando um jeitinho e tapando o sol com a peneira até (além d)o limite. Nessas horas, queria acreditar na teoria marxista do “descenso”, para a qual, após um período de mobilização intensa, segue-se um de desmobilização que, então, desencadeia a mobilização novamente.


*A comunidade uspiana não é contra o ensino à distância em si. Não aceitamos o projeto da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O documento foi aprovado em uma votação de validade duvidosa no Conselho Universitário no final do ano passado, sem passar por qualquer discussão prévia com a comunidade universitária e em geral. Não houve empenho em explicar e debater as sete páginas que dão conta (?) da criação dos novos cursos de licenciatura à distância - talvez porque não houvesse muito o que debater, uma vez que sete páginas não são suficientes nem para um trabalho final de uma disciplina de graduação.

O modelo aprovado não diz como serão exatamente esses cursos. Seus apoiadores parecem crer que eles darão certo apenas pelo fato serem realizados pela “Excelentíssima USP”. Até hoje, não conheci essa misteriosa entidade que dá conta de tanto conhecimento. A USP é feita por pessoas, que precisam se dedicar para estudar e debater, durante um bom período de tempo, antes de criar novas graduações e métodos de ensino.

Além disso, os docentes da universidade são contratados, por determinadas cargas horárias, para cumprir atividades de ensino, pesquisa e extensão. Como não foram contratados novos profissionais para o oferecimento das graduações à distância, imagina-se que os professores atuais – que já são poucos para a quantidade de alunos e disciplinas hoje existentes – terão que abdicar de algumas de suas atividades para fazê-lo.

A Univesp não nasceu em prol do aumento do acesso à educação de qualidade. Foi empurrada “goela abaixo” à USP pelo governo do estado, na tentativa de amenizar um problema histórico de má formação de professores. Mas como será possível sanar tal problema com um método de ensino tão incerto? (De novo, a peneira para tapar o sol?). Os grevistas e manifestantes também defendem o aumento de vagas nas universidades públicas, mas um aumento real, em que todos tenham direito à mesma qualidade de ensino.

(texto enviado à Folha de São Paulo)

2 comentários:

Nilton Carvalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Nilton Carvalho disse...

belo texto, bastante contundente.