sábado, 9 de fevereiro de 2008

Esmalte marrom

Acordei e fui direto pro salão pra fazer as unhas. Enquanto fazia malabarismo com os dedos pra virar as páginas do livro sem borrá-las, era interrompida por uns sobressaltos de susto provocados por uma mulher atrás de mim – é que ela não veio com botão de ajuste de volume na garganta.
Tudo bem, pensei comigo, isso dá assunto pra uma crônica sobre o comportamento humano. Até chegar a próxima cliente. A loira-descolorida de uns 40 anos sentou sua silhueta quase esbelta, mas sacana, num banquinho ao lado da mulher do volume estourado e começou a maldizer os homens – ou melhor, a falta deles em sua vida ultimamente.
Aquele alto-astral que certas mulheres não mais jovens, mas “modernas”, parecem esbanjar quando tiram os pudores de falar sobre a atração física entre os sexos sumiu quando ela deixou passar aqueles desejos nascidos de um rancor barato por entre os dentes – o que ficou ainda mais sujo pela fumaça do cigarro.
Reclamava de uma antiga ocupação de pernoite, à qual chamava apenas de “ex-caso” ou “gostosão-canalha”. Forçava repúdio ao falar dele, mas sua vontade de contar o caso quase recém-requentado denunciava que seu entusiasmo não poderia inflar mais senão por aquele exato tipo de “canastrão”. Aliás, canastrão não, mulherengo barato, simples.
Segundo ela, pra ele tudo parecia muito simples. E, nesse ponto, tive que lhe dar razão – silenciosamente enquanto olhava meu livro. Pros homens, tudo sempre é mais simples do que pras mulheres. Até a ciência explica sua facilidade com as exatas.
Veja só: o dito-cujo havia brigado com a namorada e ligou pra ex do cabelo descolorido em seguida. Esta fez um esforço descomunal pra dispensá-lo afirmando sua “dificuldade” apesar de estar “à caça” há semanas. Ele fez mais um pouco de graça e desligou. Foi ligar no dia seguinte justo na hora da manicure – aposto que não imaginava que sua “gracinha” alcançaria não só a loira, mas toda platéia feminina presente no cabeleireiro. Ela aproveitou ainda mais a audiência colocando no viva-voz. A cabeleireira ao lado desligou o secador pra não atrapalhar o espetáculo.
Mulher tem dessas manias, sabemos exatamente o que está por vir, mas mesmo assim não conseguimos controlar a ansiedade ou o entusiasmo. A voz de galanteador disse que já tinha se resolvido com a namorada. A personagem no papel da ex aproveitou para chamá-lo de nomes feios (mas não tão feios que não passassem pela censura do respeitável público) e afirmar que ele procurasse outra, que ela não era uma “qualquer” pra consolo de uma noite.
- Muito bem feito! – Gritaram os egos de todas as presentes, através do brilho de vingança indireta nos olhos.
Nada mais normal do que sentir algo parecido, nem que lá no fundo das emoções. Mas a cena me fez sentir mais aversão por aquela mulher do que pelo canalha do telefone. Não sei a exata razão. Talvez tenha sido o tom da voz dela, fatalmente sedutora, ao dizer “Adeus, meu querido”, como quem despeja uma óbvia lição de moral e depois dá um tapinha nas costas do infrator, como que demonstrando cumplicidade no “crime”. Se ela tivesse dito um “tchau” seco ou até um “adeus, querido” irônico, seria diferente, demonstraria, ao menos, um êxito em se valorizar e mostrar veemência nas falas anteriores.
Mas, na verdade, o que me causou tamanha aversão foi a decepção por ver a maneira amarga como muitos acabam por encarar a vida, sobretudo, os relacionamentos amorosos. Percebia-se no ar que aquela mulher não se sentia feliz pela atuação que acabara de fazer, claro que sorria pelas carícias no orgulho que a audiência da platéia lhe proporcionou, mas não estava realmente satisfeita. E talvez seja impossível que se satisfaça enquanto encare a vida dessa forma.
Ela é uma mulher mascarada em frente ao espelho. É como se tivesse vestido a pele da própria amargura que vê na vida. A dificuldade em encontrar um relacionamento que traga felicidade cotidiana é um dos aspectos amargos deste mundo, mas é possível aceitar isso sem tornar-se amargo também. Ela não havia conseguido, até aquele dia, entrou na amargura da solidão e ficou presa lá, olhando o mundo através de uma rede suja e mofada.
O final de fôlego que ela soltou ao suspirar depois de toda a cena mostrou que está enclausurada na amargura. Foi uma ponta de alívio. Se ela está dentro da amargura, quer dizer que sua essência não é amarga, está apenas coberta por essa capa suja. E, pelo menos, ali ela parece ter encontrado uma amiga, pela familiaridade e confidência com as quais falava com a manicure. Espero que ela consiga tirar as manchas marrom-amargas das unhas dela e sugira um vermelho vivo.

4 comentários:

Anônimo disse...

MULHERES!!! muito complexas e diferentes porem todas parecidas!

Como viveriamos sem nossas mulheres?
Se a vida fosse feita so de simplicidade seria simples hahaha as mulheres tornam a nossa vida mais emocionante e complexa!

Beijo Bru agora eu escrevi pra voce hahaha

Anônimo disse...

Louis Lane voce é oficialmente uma trucker!

E sobre a obra prima que mistura Godzila e Bruxa de Blair,voce perdeu um dos grandes épicos do cinema....

so pesares hahaha

Vandson disse...

Seu texto me levou a pensar que, provavelmente, ela teria uma outra reação se estivesse falando com o cara sem ter uma platéia para presenciar a cena. Porque nós somos assim, todos, nossas reações mudam quando o íntimo se torna público. Vira espetáculo, temos de fazer o nosso showzinho, receber as palmas e bolar instantaneamente o final impactante.
Pena que nem esse talento ela tinha né?!

Bruna Escaleira disse...

Pois é, Vandsô! E o pior é que enontrei as duas personagens hoje de novo no mesmo lugar... mas dessa vez, o celular da protagonista tava sem bateria...

E, Creb, fico feliz que você e sua sagacidade dos gafanhotos tenham percebido a dádiva feminina na Terra (ainda que entre godzilas e bruxas...)!