domingo, 1 de julho de 2007

Sempre em cena

Sei lá. Quando começo um texto assim é porque não sei bem seu objetivo, aliás, não sei bem meu objetivo e, por isso, acabo indo escrever. É... É como se me acalmasse a alma, como se o ritmo das palavras reproduzisse a energia que me envolve, ou que a fizesse envolver-me. Como se fizesse correr os pensamentos mais livres do que na mente, sem todas as regras, os planos de fundo, os contextos, as memórias que os limitam. A folha em branco é um infinito de liberdade, um indeterminado informe que pode formar qualquer coisa, tudo e nada. É o ideal de permitir. Escrever assim quer dizer permitir-se levar pelos pensamentos, criar, perder-se, encontrar-se.

Quanto costumamos nos permitir? Permitir-se plenamente é algo realmente raro, mais do que parece. Permitir-se desligar do mundo exterior pra ouvir o ritmo do coração bombeando o sangue deitado no chão; comer tudo o que apetecer no momento, mesmo que não seja ‘hora’; acordar mais tarde e sentir o calor do sol à janela, sem protetor solar; acabar com o tubo de hidratante aromatizado caríssimo em um dia; sentir o aconchego de um banho tomado; ligar a TV num filme já começado, sem prestar atenção no roteiro, apenas porque a energia da cena agrada; falar o que se sente, sem ligar pra insegurança do que esperar como resposta; desligar o celular; não fazer cronogramas; dormir cedo num sábado à noite e varar a madrugada na segunda-feira; escolher um tema inovador mas incerto pro trabalho; pesquisar sem certeza de confirmação; misturar azedo com salgado pra ver no que dá; admitir não saber o que se está fazendo.

É certo que nos permitimos fazer essas coisas de vez em quando, quando saturados pelas preocupações de atuar o tempo inteiro, mas parar de atuar parece-me algo muito raro para o ser humano, tão cheio de conceitos e convenções sociais, preso a sua imagem e à dos outros. Permitir-se quer dizer parar de atuar até para si mesmo. Sim, isto parece ser o mais simples, quando é o mais complicado. Atuar pros outros significa usar uma máscara social que pode ser discretamente levantada de vez em quando, preocupa-se com a visão que os outros fazem de nós, mas podemos tirá-la ao chegar em casa. Só, frente ao espelho, é muito mais difícil despir-se, esforçamo-nos para crer que aquela imagem é nua, autêntica, mas nem sempre é. Afinal, queremos acreditar naquela imagem para que os outros confiem nela, é mais difícil desfazer-se dela pois mostra o que queremos ser, determina nossa maneira de agir.

Ok, tudo isso pode ser verdade, mas se a tal imagem da qual não conseguimos nos desfazer foi criada por nós mesmos, ela não é autêntica? Pode ser. Entretanto, representa um molde que buscamos seguir para afirmar nossa personalidade. Às vezes, tomamos atitudes só para que combinem com esta ‘personalidade’, quando, na verdade, gostaríamos de tomar outras e é aqui que começa a atuação. Permitir-se quer dizer admitir que nossa individualidade tem suas exceções, seus defeitos, que continuamos a ser nós mesmos apesar de contrariar a imagem que formamos. A Bruna gosta de vermelho, mas hoje, preferiu optar pelo azul, e continua sendo a Bruna.

Sei lá. Saí de uma dúvida sem objetivo e encontrei um num texto. Quem sabe, tenha conseguido usufruir da ‘permissão’ da folha em branco – um pouco mais colorida agora - e alcançado os bastidores!

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