quarta-feira, 15 de abril de 2009

para ser Amigo, preencha a ficha.

Hoje, voltando pra casa, tive que frear antes da hora, porque um carro estacionava à frente duma casa pouco antes da minha. Chovia bastante, mas pude ver que era o carro do namorado da minha amiga que mora ali, e que ela também estava dentro. Por um segundo, hesitei cogitando se parava e dava um oi ou passava reto, pra deixá-la à sós com o bofe, e ligava depois que chegasse em casa – ou quem sabe mandasse um sms, ou um scrap no orkut depois, ou deixasse pra comentar outro dia quando nos vermos pessoalmente. Logo larguei mão e abri a janela do carro ao lado deles, mas só o fato de ter parado pra pensar me soou estranho.

Ela é uma das minhas melhores amigas, que conheço há anos, desde moleca – e como éramos molecas aos onze anos! Mas ultimamente não temos nos falado tanto. Não ocorreu nada de errado, nada de brigas, distanciamentos, apenas algo da vida que ocupa cada um em seu rumo e, às vezes, desvia uns dos outros. Algo que pode e, provavelmente, será revertido em algum momento próximo, porque é o que acontece na maioria das vezes e dos casos de amizades próximas. Esses vai-vens da vida.

Bem, à janela aberta, ela disse antes que a chuva respingasse mais dentro dos carros:
- Oi amiga! Como cê tá? Acabou de chegar da facul?
- Oií! Tudo bem sim, e aí? Pois é, acabei, e você?
- Também, agorinha!
- Pois é, e acredita que nem conseguimos fechar o jornal que era pra segunda ainda?
- Sério? Que coisa! Mas você ta fazendo só isso agora, né? Já saiu do trabalho?
- Que nada, to trabalhando, mas esta sexta é o último dia!
- Ah, que bom, aí vai ficar mais tranqüila, né?
- É, espero.. hehe.. E você?
- Ih, amanhã tenho prova, to ferrada!
- Ah, e o feriado?
- Vou viajar pros jogos da faculdade!
- Ah, jura? Olha, Fulano, você conseguiu um feito, ela nunca vai pra esse tipo de viagem! – ao que o rapaz sisudo respondeu com um sorrisinho amarelo, apesar de parecer que estava indo mais com minha cara do que no começo da conversa. Podia xingá-lo de antipático, mas acho que na hora era sono mesmo.
- Pois é, menina, decidi! Hehe E você?
- Vou pra praia..
- Com o “namo”?
- É, e mais uns amigos..
- Que delícia.. Bom, mas tenho que ir terminar o trabalho..
- Eu também, preciso dormir! Tchau, querida, vamos nos falando!
- Vamos sim, boa noite!
Fecham-se os vidros e o papo fica pra trás. Durante uns dois minutos, falamos sobre nossas vidas, tentando resumir “como elas vão”.

Falamos sobre isso mesmo? Vidas são muito complexas, a conversa iria continuar depois? Quando? Neste caso, é bem provável que realmente continue, mas me intrigou pensar que foi uma conversa como outra de conhecidos quaisquer. Quanta gente não nos conta seu “status” imediato casualmente, quase como se preenche um formulário? Quantas pessoas não “conhecemos” a partir de uma “síntese” de sua vida?

"Nome: Fulano de Tal. Profissão: Jardineiro. Estado Civil: Solteiro. Hobby: Jogar Pelada no Domingo. Feriados: Sem Planos de Viagens Próximas. Ocupado no Momento: Sim, com os Estudos. (silêncio) Tudo em letra legível? Já pode entregar e ir embora?"

Qual o significado por trás de cada informação dessas? Quanto elas nos dizem sobre alguém? Afinal, quantas das fichas guardadas em nossas gavetas realmente conhecemos?

Um comentário:

Gustavo Braga disse...

_profissões, hobbies, passatempos, personalidades... nada disso sintetiza quem é você. talvez quem somos seja a pergunta mais difícil de se responder - pra mim é ainda mais árdua do que a casual: 'por que estamos aqui?'. lembremo-nos da rua estreita e quase sem saída que Alice entrou ao ser questionada pela lagarta: 'quem és tu?'


nessas, o silêncio é mais sábio do que um 'blá blá blá folha blá blá'